KEMOSABE 2015
Pedro Calhau
How Kemosabe? … em relação à cultura, ao delírio que circunda os artistas, ao imponderável que os rodeia perguntar “como?” é uma das coisas que podemos fazer para nos tentarmos inscrever na sua tradição… a outra é fazer: é mostrar… insistir… que a música que ouvimos existe[1], tem uma harmonia e pode levar alguém para um sítio melhor. Mesmo que distópico, cínico, imponderável, humano, o mundo do que fazemos, a geografia que trilhamos às escuras[2], caminhando sobre abismos que nascem e no mesmo instante sucumbem ao passado, é, muitas vezes, quase sempre, inscrita na tradição de ilhas que só os nativos podem conhecer. Conhecer a ilha e saber andar pelo território é o caminho de quem aprende a distinguir as matizes do breu, familiares a quem não vive na luz. No fundo esse é o legado que nos une; a tradição que procuramos abraçar. Ora o peculiar desta circunstância está nos pormenores. No facto deste modo de fazer, existir no diâmetro da luz de uma lanterna, de ser fugidio, e de por último, o seu rasto, a sua herança e o seu propósito só virem à tona depois de acabado. Na realidade, só depois de feito na sua verdadeira extensão, poderemos começar a ponderar o que foi, se valeu para o mundo como caminho ou para uma vida como uma direção. De Kemosabe, para lá da controvérsia a respeito da origem da palavra (entre “quien no sabe”, “ke-mo sah-bee” ou "giimoozaabi"), o que sabemos é que preconiza alguém que passou por uma transformação. Própria dos que escolhem olhar para o escuro. Em Roma existia a palavra “persona[3]” para a máscara que os atores usavam quando estavam em palco. O intuito era de os ajudar a desempenhar melhor o papel. Kemosabe é também aquele que usa a máscara para materializar o seu caminho, como se a sua verdadeira face se mostrasse quando a tem a tapar o rosto. De facto a obra aparece quando deixamos de nos perguntar quantas caras temos. Na medida em que a cara do que fazemos não é nossa. É a que o escuro escolhe mediante o médium do que podemos fazer[4]. É dessa forma que os artistas são kemosabe (fieis batedores) do escuro de um mapa que criam sem saberem de onde ou para quem. Criam como os vulcões fertilizam enquanto destroem, criam porque é o que os seus corpos têm que fazer para darem por realizado aquilo que são. Desse modo identificamos aqui uma leitura ética. Que se prende com o fazer num sentido simultaneamente mais absurdo e mais profundo. Absurdo porque não se coaduna com as exigências deste tempo . Profundo porque vem “de anima”, do que lhes dá vida. É a evidência disto que podemos ver nos objetos que os artistas fazem. Que se desdobram dos seus corpos para serem outra coisa. No entanto nada aqui é narrativa. É um modo de fazer onde o que se faz é encarado pelo seu maior denominador comum, onde não há espaço para especulações, fabulações ou retóricas rebuscadas sobre cada obra. Fazemos o que vem na medida daquilo que conseguimos distinguir. Fazemos às escuras com as mãos e deixamos que elas nos digam o que é verdade em tudo o que quisemos fazer. Esta exposição, polivalente nos médiuns que abarca ( pintura, desenho, cerâmica, fotografia, escultura) é sobretudo uma exposição de objetos. Objetos aquilo que está adiante e pode ser encontrado, aquilo que é. Olhemos pois, para estes objetos bastardos das grandes tradições dos Homens e percebamos que eles vieram do breu. PS: How kemosabe? Não sei… com toda a certeza todos os que alguma vez o tentaram, vão ser os últimos a crer saber. [1] A partir da citação “And those who were seen dancing were thought to be insane by those who could not hear the music.” Friedrich Nietzsche no sitio da internet https://www.goodreads.com/quotes/7887-and-those-who-were-seen-dancing-were-thought-to-be em 25/10/13 [2] O alegoria do escuro é abordada de forma bastante pertinente para este contexto no ensaio “O que é o contemporâneo”, Giorgio Agamben, em Portugal , Agamben, Giorgio. 2010. Nudez, Relógio D` Água , Lisboa ISBN: 97898964116 [3] http://pt.wikipedia.org/wiki/Persona_(teatro) em 25/10/13 [4] A temática do que podemos ou não fazer é abordado em “Sobre aquilo que não podemos fazer”, Giorgio Agamben, em Portugal , Agamben, Giorgio. 2010. Nudez, Relógio D` Água , Lisboa ISBN: 9789896411664 |